Por entre março e junho nas serras do Centro e Norte de Portugal floresce uma planta num tom branco-amarelado e luminoso, planta que, dir-se-ia, não tem folhas, apenas caule. É estranha esta planta. Todavia, pelas suas virtudes entra na classe das plantas que, segundo algumas crenças, são dons do céu e fonte de vida. Na verdade, as virtudes da carqueja entram na vida do homem de muitos modos, quer em caule, quer em flor. Na medicina é utilizada em chás que servem de cura para muitos males. Na culinária serve para fazer o célebre “Arroz de Carqueja”, e para dar na assadura do coelho o gosto do “Coelho do Monte”. Também entra na cosmética para ajudar na fabricação de perfumes de suave fragrância. Mas a mais conhecida das suas utilizações foi, durante muitas décadas, a de servir, em molhos e, depois de seca, de acendalha a fornos de estabelecimentos comerciais e casas particulares. E é por esta sua utilização que o nosso artigo vem ao caso.
A carqueja vinha, Douro abaixo, em molhos até a um cais que havia perto da Calçada Corticeira. Esta rampa, que agora se chama Calçada das Carquejeiras, é de tal modo íngreme, que a sua subida era proibida a animais de carga. Nesse cais estavam umas mulheres de condição humílima para carregar os molhos de carqueja (com peso que às vezes era maior que o seu), e subindo a íngreme calçada, várias vezes ao dia, iam levá-la a sítios que distavam, por vezes, quilómetros. Subiam a calçada em ziguezague arfando e resfolegando. Vistas de longe pareciam ouriços humanos, e este espetáculo era deprimente. O que ganhavam mal dava para a sopa com que enganavam a fome, a sua e a dos seus. E foi assim que durante décadas estas obscuras e desprezadas mulheres labutaram e sofreram.
Já pouca gente se lembrava destas heroínas, até que um dia um grupo de senhoras resolveu criar a Associação Homenagem às Carquejeiras do Porto, para recordar “Um drama silencioso e silenciado”. Mas não foi só para recordar, foi também para erguer uma estátua que perpetuasse o contributo das carquejeiras para o engrandecimento da cidade.
A Alma Manter desta associação é a Drª Maria Arminda Santos, pessoa que muito lutou e sofreu, mas que nunca esmoreceu. Muita barreira teve de transpor para que a estátua em homenagem às Carquejeiras, a “Maria”, fosse uma realidade. Mas foi! Ela aí está no cimo da malfadada ladeira. Grande figura desta luta é também a Drª Maximina Girão, eminente historiadora e poetisa, que nunca se deixou vencer pelos obstáculos levantados.
A associação realizou muitas sessões de sensibilização e de angariação de fundos, e nesses eventos era representada uma “carquejeira” pela Maria Elisa Monteiro, a fim de tornar o momento mais real. O trabalho e luta de vários anos pela causa das carquejeiras, todo este amor pela reabilitação da sua memória tido por estas senhoras, traz-nos o encanto de um verso de Camões: “Transforma-se o amador na coisa amada”.
Sim. As carquejeiras reais acabaram, mas temos, nelas transformadas.
Neste epílogo do projecto de erguer uma estátua às mulheres Carquejeiras da cidade do Porto, como Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Associação de Homenagem às Carquejeiras do Porto. Gostava de felicitar todos os elementos da direcção, o escultor José Lamas pela sua obra, a Junta de Freguesia do Bonfim, pelo seu permanente apoio, assim como a todos os que contribuíram economicamente para a viabilidade deste projecto.
Felicito e dou os parabéns à Presidente Arminda Santos, que tanto se dedicou para levar este seu projecto a bom termo. Foram uns anos longos até se conseguirem fundos e apoios para o projecto, fabrico e colocação da estátua no local. Quando fui contactado por Arminda Santos, amiga de longa data, para integrar este projecto da AHCP, depois de me ter sido descrito o projecto que se ia iniciar, sobre as mulheres Carquejeiras do Porto, aderi de imediato, pois desconhecia a sua existência e só me recordava as mulheres que descarregavam das barcaças os paralelos em granito e as pedras de carvão.
Assim, perante o relato dramático, achei óptima a ideia de homenagear estas mulheres, com uma estátua, mulheres que levaram uma vida de exploração e miséria para sustentarem as suas famílias. Por tal motivo aceitei, com entusiasmo, integrar este projecto que, para mim, representa uma justa homenagem a todas as mulheres trabalhadoras da cidade do Porto.
Noutros tempos nada nos prendia à permanência em casa. Tudo era partilhado quer na escola quer depois na rua. A primeira vez que ouvi falar da Calçada da Corticeira foi a propósito da doença do irmão mais velho de um dos amigos. Para se livrar da tropa resolveu – como tantos outros – enganar os militares e chegar à inspeção militar a cair de morto. Constou que subiu a rampa quatro vezes seguidas e daí o seu lastimável estado.
Isto foi esquecido até ao dia de a subir pela primeira vez. Estávamos na Praia dos Tesos, por baixo do Senhor d’Além, e subimo-la para chegar às Fontainhas. Mais tarde passou a ser um local de passagem esporádica entre o meu local de trabalho – na Alfândega- e a minha casa – junto a S. Lázaro. Na atualidade próxima, subi a Calçada em conjunto alguns associados do Clube UNESCO da Cidade do Porto, a convite da nossa companheira Maria Arminda Santos. Tomamos conhecimento da vida das Carquejeiras na casa da D. Valentina Machado, a última mulher que tendo exercido a profissão se encontrava ainda viva.
Quando fui convidado para integrar o núcleo fundador da Associação “Homenagem às Carquejeiras do Porto” fui tomando conhecimento do que havia sobre o drama das Carquejeiras ao ajudar na recolha e divulgação da informação no site da Associação. Com as pessoas desta associação a trabalhar na angariação de apoios também colaborei em reuniões na C.M. do Porto, AIP, Serralves, Casa de Bonjóia ou na Fundação Manuel António da Mota com Dr. Rui Pedroto e me convenci naquele dia que a finalidade da associação iria ter um apoio sólido de alguém que acreditou na causa.
Foi um caminho longo de avanços e recuos que se prolongou durante anos de incertezas, com apresentações do projeto em variados locais a diversas forças vivas da nossa cidade, mas sem avanços significativos. Nesta altura confrontei-me com a realidade e caí na desilusão. Finalmente e graças à persistência da Maria Arminda Santos e da Maximina Girão foram criadas as condições para que a J.F. do Bonfim desse o empurrão definitivo para a concretização da construção da estátua e do seu descerramento. Tive o prazer de conhecer e conviver com alguns Ilustres Senhores desta cidade nomeadamente José Lamas, Rui Pedroto, Hélder Pacheco, Germano Silva, Joel Cleto, Dr. Manuel Pizarro, Profª. Lurdes dos Anjos…
Aos meus companheiros desta associação - que me marcaram para a vida - o meu agradecimento.
Carquejeiras – As Escravas do Porto, foi um projeto em que estive envolvido e tive uma experiência divinal, a recetividade dos envolvidos foi de grande cordialidade, foi a forma de retrospetiva á árdua profissão felizmente já extinta. Não houve pontos negativos, todos os aspetos envolveram a conclusão da homenagem "á mulher e á carquejeira" deste grupo de pessoas. O impacto foi antrópico, todos perceberam que estavam a difundir uma mensagem muito importante. A abertura do espaço à comunidade de que o projeto fez parte, a tenacidade dos promotores e a pluridisciplinaridade e elevado nível de qualificação dos autores do projeto (Dra. Arminda Santos, Dra. Maximina Girão, Dr. Rui Claro e Dr. Luís Pacheco) fez com que a mensagem fosse uma realidade, a conclusão da inauguração da estatua em homenagem às Carquejeiras. Houve no início alguma dificuldade sobre como se olha para a novidade, que foi superado pela exigente ambição, tenacidade e mobilização de todos os intervenientes...
Bem hajam, Associação “Homenagem às Carquejeiras do Porto”
Praticamente no início do nosso primeiro mandato como responsáveis pela Junta do Bonfim, tomamos conhecimento de um movimento cívico de pessoas dispostas a lembrar e homenagear as Carquejeiras. Ainda em respeito pela postura que nos impomos, não nos compete, nem é importante, realçar o que, objetivamente, ajudamos para que se concretizasse a construção e localização em espaço publico de uma estátua às carquejeiras.
Temos consciência de ter sido ativos na prossecução desse objetivo e sentimos muita satisfação pelo monumento implantado na Freguesia do Bonfim. Esperamos sinceramente, e nisso apostamos, que aquele expressivo monumento não sirva apenas como uma enorme e justa homenagem às sofredoras mulheres que o inspiraram e o justificaram, mas sirva também para consciencializar todos os passantes para a nossa responsabilidade cívica de não permitirmos, passivamente, descriminações aberrantes aos direitos de todos os cidadãos.
Fizemos e faremos por isso!
As Carquejeiras da cidade do Porto foram mulheres que, durante o século XIX e o início do século XX, foram um pilar essencial para o desenvolvimento da nossa cidade. Esta deve apoiar sempre a sua homenagem e nunca as esquecer. Foi com muito gosto que como responsável pelo Pelouro da Cultura da Junta de Freguesia do Bonfim, Portuense e Ser Humano tive a oportunidade de apoiar os diferentes passos necessários para que fosse erguida uma estátua em sua homenagem.
Manifesto o meu agradecimento à Associação Homenagem às Carquejeiras do Porto, pelo seu empenho e dedicação a tão nobre causa.
Nos primeiros anos da década de sessenta do século passado, ainda recordo as mulheres que nesses tempos faziam a distribuição da carqueja pelas inúmeras padarias e carvoarias da cidade, assim como de outras atividades perdidas na bruma dos tempos, e que hoje não passam de memórias…! Ainda rapazito, estava longe de imaginar que algumas décadas mais tarde, seria convidado pela Maria Arminda Santos, para fazer parte do núcleo duro da Associação de Homenagem às Carquejeiras do Porto. A vida realmente tem destas coisas! Só muitos anos depois, já na presente década deste século XXI, voltei a ter contacto com a atividade das Carquejeiras, quando o Clube Unesco da Cidade do Porto, do qual sou sócio, organizou uma subida da calçada da Corticeira. Aqui, foi estabelecido o contacto mais direto com a vida escrava destas mulheres, na pessoa da última carquejeira ainda viva, nessa altura a simpática D. Valentina Machado. Também esta atividade foi organizada por iniciativa da Maria Arminda, membro da direção do Clube Unesco da Cidade do Porto.Depois desta atividade do Clube Unesco e divulgação bem documentada junto dos associados, a Maria Arminda decidiu criar a “Associação de Homenagem às Carquejeiras do Porto”, cujo objetivo principal seria a divulgação da vida difícil destas mulheres e a edificação de uma estátua no local onde mais duramente labutaram, para que nunca mais, repito, nunca mais, estas mulheres fossem esquecidas.
Mais tarde, foram realizados os trabalhos de registo oficial desta Associação, de acordo com a lei Portuguesa, e iniciada uma longa caminhada… mais longa e difícil do que no início idealizávamos…! A Maria Arminda convidou o seu amigo, escultor, José Lamas, que concretizou o projeto e foi fundamental em todo o processo. Avançámos para a angariação de fundos, entrevistas com empresas e entidades que poderiam vir a ser Mecenas desta causa. Fizemos a divulgação da vida das Carquejeiras junto de Associações e Entidades Públicas variadas. Organizámos almoços anuais, cujo prato principal era o arroz de carqueja! Sempre que possível, lá estávamos nós com uma pequena banca a vender pequenas lembranças, tentando ganhar mais alguns euros para a causa, que felizmente veio a ter um resultado pleno.
Quando a Maria Arminda nos informou sobre a possibilidade de vir a escrever um livro sobre este tema, tendo em conta as vivências, o material e a formidável informação entretanto recolhida, todos nós aplaudimos a ideia, pois consideramos que este livro será o fecho com chave de ouro deste movimento cívico. Seria uma perda irreparável, não dar a conhecer as vivências e informações adquiridas sobre este tema. Sinto que para mim, também foi uma realização pessoal em que participei com muito gosto.
Obrigado, Maria Arminda.
Como membro da direcção das duas associações (AAARSI e AHC), congratulo-me com o êxito do evento, ocorrido na Junta de Freguesia do Bonfim, pois esta parceria e o trabalho em rede daí resultante é sempre uma mais-valia, dado que promove a partilha de saberes e o enriquecimento cultural mútuo contribuindo também, no caso presente, para a valorização patrimonial e cultural da cidade, num sentido profundo de responsabilidade sociocultural de pessoas que, já em tempo de aposentação, sabem sair do seu conforto habitual para lutar por uma causa - homenagear as mulheres carquejeiras! É esta uma atitude, assim como muitas outras em prol do bem-comum, que poderão tornar o nosso quotidiano diferente, mais útil e até mais poético, porque pomos em cada coisa que fazemos um pouco de utopia, num sentido de continuarmos a acreditar no futuro…
Resgatar do passado a memória destas mulheres, é evocá-las e não deixar no esquecimento o seu drama - um drama silencioso e silenciado. É quase uma dívida com o passado porque, o principal retorno deste projecto é erguer uma estátua que materializará e presentificará as carquejeiras, nos dias actuais e no futuro da cidade.
Deste evento, de que agora falamos, destacamos as palavras proferidas pelo Presidente da JF do Bonfim e pela Presidente da AAARSI, Dr.ª Armanda Camisão, bem como as duas intervenções dos elementos da mesa, nomeadamente da Escultora Arminda Santos, promotora deste movimento cívico e a conferência sobre o tema “A contextualização das carquejeiras, no Porto, em finais do séc. XIX e 1ª metade do séc. XX”. Ao longo dessa minha comunicação foi recordada a carquejeira Palmira de Sousa, através das suas próprias palavras, colhidas num estudo académico que investigou profissões já desaparecidas na cidade (“Memórias do Trabalho – testemunhos do Porto laboral do séc. XX”).
Destaco ainda as intervenções de Elisa Monteiro que, neste acontecimento, tal como noutros já levados a efeito, dramatizou o trabalho e a dureza da vida das carquejeiras; de Lourdes dos Anjos que, além de declamar poemas, foi a voz da carquejeira Palmira de Sousa expressando, ao longo da minha comunicação, as vivências sofredoras de muitas jornadas de infortúnio; de Cuca Sarmento que interpretou poemas sobre a vida destas mulheres.
Deixo o registo de alguns fragmentos do testemunho transmitido por Palmira de Sousa e recolhidos no trabalho já referido: “Comecei na carqueja tinha 10 anos a ajudar a minha mãe a levar os molhinhos, depois fui crescendo e a carqueja a gente levava-a para as padarias, aos 200, 300 molhos... Pagavam a 25 tostões... Íamos a pé, a subir a Calçada da Corticeira, para a Foz, a Boavista, o Carvalhido, para o Conde Ferreira…
E passei muita fome e miséria, andávamos carregadas, mas só comíamos um bocado de pão com chouriça…Tive sete filhos… Ainda pequeninos, morreram-me três… Na carqueja andava com os filhos sempre atrás de mim, nos aventais, pela Corticeira acima, que a gente não ganhava para as amas… Eu não sei ler nem escrever. Naquele tempo, não fui à escola. Ficava a olhar pelos meus irmãos, que eu era a mais velha.
Foi uma "vida negra!”
Quem, descendo a Rua das Fontainhas ou a Rua de Alexandre Herculano, entra na zona das Fontainhas mergulha o olhar na via que tem à sua frente e percorre-a até ao Douro, que brilha lá ao fundo. Hoje em dia, é uma rua atapetada de pedras mais ou menos regulares. Mas há bem pouco tempo ainda era pejada de lajes mal assentes, prontas a ferir pés pouco acostumados a tal piso. A rua tem uma inclinação acentuada, que não convida a subir ou descer com frequência ou mesmo ocasionalmente essa espécie de calvário à beira rio.
Continuando a olhar por ali abaixo, recuando nos tempos e na história da cidade do Porto, não é difícil imaginar os grupos de mulheres que, até meados do século XX, caminhavam por ali acima, ajoujadas sob molhos de carqueja, quase tão pesados como os seus corpos magros e curvados. Eram as carquejeiras que, desde os barcos ancorados na margem, carregavam aquela acendalha que iria atear as chamas dos fornos das padarias ou das moradias burguesas da cidade. E descalças ou arrastando uns rafados chinelos, com umas tristes vestes rotas e escuras, carregavam consigo os filhos pequenos e, por vezes, o próximo na barriga. E arfavam ao longo da íngreme subida, incitando as crianças a acompanhar aquele trágico recrear do destino de Sísifo, na esperança de ao fim do dia poderem comer um pão e um caldo com algumas couves a boiar nele.
Quantas delas pariram ali mesmo, nas pedras da calçada, ajudadas pelas outras carquejeiras que já tinham, noutras ocasiões, praticado a mesma assistência a alguma colega que também trouxera ao mundo a sua cria, para lhe dar uma vida semelhante! Quantas também ali tiveram uma hemoptise e perderam a vida sem terem chegado ao fim do trajecto daquele dia que lhes iria render uns magros tostões, quando conseguissem descarregar o peso que lhes curvava as costas e destruía os pulmões!
E as carquejeiras permaneceram esquecidas, ocultas na vergonha de uma sociedade que as usava para um trabalho escravo e insano, substituindo as bestas que, segundo os documentos legais, não podiam aguentar a tarefa de subir, carregadas, aquela ladeira. Eram então essas mulheres que eram submetidas ao sacrifício brutal, como se fosse um castigo perene e sangrento. As mulheres também fizeram parte da história da cidade, anónimas, desconhecidas da memória de quem escreveu os anais do Porto. Finalmente houve alguém que se lembrou delas e enfrentou todas as dificuldades que surgiram para colocar uma carquejeira, em bronze, lá no alto da calçada, a olhar para o rio e a não deixar que continuem a esquecê-las. Chamaram-lhe Maria, um nome bem português, nome de gente pobre, mas também nome de rainha. E agora ali está ela para sempre, a contar aos presentes e aos vindouros a história triste de tantas gerações que por ali passaram.
Antiga, muy nobre, sempre leal e invicta cidade do Porto, assim é a divisa desta urbe de que houve nome Portugal. Liberal e progressista, burguesa e operária, a cidade vicejou e afirmou-se pelo industrioso labor das suas gentes. São bem conhecidos o seu bairrismo, de quem ama e se honra do que é seu, convivendo paredes-meias com um sentimento de sadio patriotismo, enobrecido e justificado pela lhaneza despretensiosa dos portuenses e pelo espírito de sacrifício patenteado ao longo dos séculos a que o país muito deve.
Não surpreende por isso que o Porto seja conhecido como “cidade do trabalho” e esse epíteto assenta-lhe bem. Portugal descobriu tarde o caminho da modernização. Já bem entrados na última centúria, eram bem visíveis os sinais de atraso económico do país, a incipiência da sua indústria, a miséria do campesinato, a pobreza do operariado, o analfabetismo e os baixos níveis educativos, a negação generalizada ao trabalho digno e com direitos.
À míngua de outras profissões requerendo competência técnica e conhecimentos de maior fôlego intelectual - que a tanto o não permitiam a atávica debilidade do nosso sistema produtivo e a modéstia das qualificações dos portugueses – os ofícios manuais povoaram o quotidiano das nossas cidades. Parte desses ofícios, resistindo teimosamente à marcha do progresso, sobrevivem ainda, mas outros são já parte do passado, lá onde o homem ainda substituía a máquina em tarefas penosas, repetitivas e até onde permitia a força humana.
Ajoujadas ao peso da carqueja, as Carquejeiras do Porto, assim chamadas porque de uma verdadeira categoria social e profissional se tratava, calcorreavam, calçada acima, o trecho urbano que hoje ostenta o seu nome, quantas vezes descalças, umas grávidas ou acompanhadas dos filhos, recebendo o miserável salário com que granjeavam o magríssimo sustento da sua prole. E se outrora lhes ficamos a dever o pão ou o calor das lareiras, ficamos hoje e para sempre a dever-lhes o que deram ao Porto com o suor do seu rosto, as lágrimas de sangue que verteram, o sofrimento e as marcas do seu sacrifício na carne, imperecível testemunho de um tempo que não volta mais mas que não pode ser esquecido.
Rareiam e contam-se pelos dedos de uma mão, e basta olhar para a sua estatuária ou outras formas de produção artística existentes na cidade do Porto, exemplos de representação das profissões que marcaram o passado da cidade e que ajudaram a fazer dela aquilo que é hoje. A estátua em homenagem às Carquejeiras do Porto que agora se ergue, altaneira, no largo das Fontainhas, fruto do labor incansável da associação criada para lhe dar forma e corpo, é o justíssimo tributo a essas mulheres, heroínas anónimas da nossa cidade e que resistem agora, póstuma e simbolicamente, à usura do tempo.
Mais um evento em memória das Carquejeiras do Porto! Mais uma escola, mais jovens sensíveis à vida das Carquejeiras e ao Projecto que as homenageou da autoria da Dr.ª Arminda Santos. Os alunos da Escola Superior Porto e Artística do ESAP, convidaram Arminda Santos, para junto da estátua da Carquejeira tomar um chá de carqueja, com o objectivo de os ajudar, homenagear e perpectuar, estas figuras incríveis portuenses. O evento contou com a presença de outras figuras ligadas ao" Projecto - Homenagem às Carquejeiras do Porto" e o Professor responsável pela disciplina "Arte Pública". Aproveitando esta homenagem os alunos visitaram também, a casa onde D.Valentina Machado última carquejeira que viveu na escarpa das Fontaínhas até à sua morte.
Em Setembro de 2023 na Feira do Livro do Porto, esteve presente Arminda Santos a convite das Edições Afrontamento, para mais uma sessão de autógrafos contemplando o seu último livro - As Carquejeiras do Porto - um Projecto um Sentido". A tarde foi movimentada... com a presença de muitas pessoas que dialogaram com muito interesse e curiosidade com a autora.
Mais um desafio colocado a Arminda Santos autora do projecto "Homenagem às Carquejeiras do Porto" que no passado dia 10 de junho de 2023, esteve junto da estátua Maria, com um grupo de crianças "Os Tripeirinhos" conversando sobre as Carquejeiras e a carqueja.
Foi uma experiência única ver o interesse das crianças de idade compreendida entre os 4 a 7 anos, tão curiosas sobre o tema e o interesse que revelaram sobre o contacto que tiveram com a carqueja.
A conversa foi adaptada ao nível etário das crianças como é óbvio, debruçou-se sobre a carqueja, sua recolha e relevada a sua importância noutros tempos.
No passado mês de Maio estiveram no Porto duas Jornalistas estrangeiras Kimberley Dusznyj e Manon Morisse que, após contacto com Arminda Santos, perplexas com a história da vidas das Carquejeiras do Porto e imbuídas de curiosidade elaboraram um trabalho sobre elas que pode apreciar no link abaixo registado.
Obrigada bom dia de trabalho para amanhã
Arminda Santos
“Carquejeiras: uma homenagem portuense
Um livro que serve de registo perene de uma campanha generosa e justa sobre uma faceta da história da cidade do Porto e da sua gente, o "drama oculto" das mulheres da Calçada das Carquejeiras.”
Clique aqui para ler o artigo completo
No passado dia15 de março alunos da Escola de Artes Soares dos Reis e respetiva Professora Patrícia Guimarães, deslocaram-se junto da estátua "Maria" nas Fontainhas, para conhecerem a sua história, assim como realizarem registos gráficos. Contactada a autora do projecto "Homenagem às Carquejeiras do Porto", esta deslocou-se ao local, falou sobre a precária vida das Carquejeiras e sua cruel profissão. Foi distribuídos aos alunos um pequeno texto, mostragem de fotos antigas, respondidas questões pertinentes levantadas pelos mesmos tendo decorrido uma interessante aula no local.A autora do projecto agradece à professora Patrícia Guimarães, o convite para estar presente neste evento pedagógico, assim como aos alunos que, ficaram a conhecer uma história da sua cidade decorrida nos finais do século XIX e primeira metade do século XX, que estava esquecida no espaço e no tempo...
Arminda Santos
Apesar do mau tempo que se registou no DIA DA MULHER a 8 de março de 2023 - os responsáveis pelo projecto "Homenagem às Carquejeiras do Porto", não deixaram de cumprir o seu dever- prestar uma singela homenagem à " Maria "- , estátua colocada nas Fontainhas que simboliza a ingrata vida das mulheres da calçada das Carquejeiras. Colocada como é habitual uma coroa de flores, resta a recordação dos bravos desse tempestuoso dia.
Arminda Santos
És simples, agitada, desgastada
Pela penitência diária que te é imposta
Na tua condição adversa e desumana.
Com um sorriso de dor sobes a calçada
E no silêncio da algazarra que o teu olhar não mostra
Alimentas a cidade com o fogo de uma luta insana.
As dolorosas emoções que te ladeiam
Não são mostradas, pois são feitas de medo,
Sonhos mortos, sem risos nem promessas
De melhores dias que teus pensamentos enleiam.
A tua vida tornou-se um eterno degredo,
Insensível, cruel na vida que tu atravessas.
És pária da portuense sociedade
Que se alimenta do pão cozido com tua carga,
Trazida em ombros pela miséria necessitada.
Não há luta por um futuro de verdade,
Pois o desgaste contínuo de uma vida amarga
Só pára por velhice, morte ou carga azarada.
Tu és uma besta de carga,
Doente, pobre e sem alojamento certo,
És descalça, violentada e analfabeta.
És vítima da violência que não te larga,
Mantendo sempre ameaçadora e por perto
O cutelo real de uma guilhotina aberta.
O Calvário que te espera diariamente
Ao subir a Calçada da Corticeira
É a tua sina, afinal...!
Sem voz, de sol-a-sol, estoicamente,
Tu és a abnegada Carquejeira,
Tu és, do Porto, sofrimento social.
Pela encosta agreste da calçada das Fontaínhas,
Curvada pelos mais de cinquenta quilos de carga,
Rompendo rompidos pés, coturnos e alpercatas
Sentes a fria pedra, mas cantas ladaínhas
Pelo granito fora da subida que te amarra
Às dores do coração e ao feixe que tu arrastas.
O capuz já mal protege o teu cansaço,
O feixe aos ombros baixa a tua visão
Para o granito rompido que vais pisando.
Falta-te o amor, o carinho e um abraço
E tuas histórias de vida cruel e de privação
Ficam escondidas enquanto às escondidas vais chorando.
Dos rabelos do Douro partes para o declive,
De feixe às costas, levando a tal carqueja
Que cozinha o pão e aquece a casa burguesa,
Longe da saúde e perto da doença que em ti vive
Numa vida de que ninguém tem inveja,
Pois só tem trabalho árduo, maleitas e fome à mesa.
O Porto come sempre o fresco pão
Cozinhado enquanto a cidade dorme
Pelo lume bravo da carqueja que o cozinhou.
Mas a tua luta é sempre em vão,
Pois nada sobra para ti e tua família só come
Aquele tal “Pão que o Diabo amassou”.
Com vida azeda, chorosa e de muita dor
Aguentas de sol-a-sol lágrimas empresadas
Até à noite, ao derreter do teu cansaço,
E ainda vais buscar calor e amor
Para as tuas muitas crianças esfarrapadas
Que acarinhas meigamente em teu regaço.
Desde pequena que vives nas “ilhas” pobres do Bonfim,
Carregas carqueja desde tenra idade,
Cresces e chegas a mulher sem ser menina,
Sofres, mas és carquejeira até ao fim...!
Tu és a Carquejeira do Porto-cidade...!
Tu és do Porto-cidade uma heroína...!
Oogham R. M. Lenam
Inspirado no livro “As Carquejeiras do Porto – Um projecto, um sentido”, de Arminda Santos, Edições Afrontamento, Setembro de 2022.
Vídeo disponível no link a baixo:
Para mais informações consultar o tripeiro do mês de Novembro 2022.
”PORTUGAL EM DIRETO” Realizada nos estúdios da RTP.
Vídeo disponível no link a baixo:
https://www.rtp.pt/play/p9677/e638796/portugal-em-direto/1080851
Com sala repleta, procedeu-se ao lançamento do livro que contou com uma breve introdução pelo representante da Afrontamento Dr. Paulo Bento, Prof. Hélder Pacheco e apresentação pela Jornalista Arminda Deusdado.
A autora do livro interveio agradecendo a presença das pessoas mencionadas, amigos e cidadãos anónimos, que acompanharam e apoiaram o projecto, assim como à Câmara Municipal do Porto, ao Sr. José Manuel de Carvalho, presidente da cessante Junta da Freguesia do Bonfim que acompanhou toda a dinâmica do mesmo e acrescentou:
(…) É agora mais real e consciente a noção do dever cumprido e até a sensação que consegui fechar finalmente um ciclo ou um círculo! E porquê? Porque após a implementação do projecto, “Homenagem às Carquejeiras do Porto” que foi concretizado com êxito, dada a vontade e a garra de um grupo de exigentes e responsáveis cidadãos que passo a citar: Maximina Girão, Rui Costa, Benedita Santos, Luís Pacheco, Leonor Santos, Fernando Conceição, Maria Amélia, Carlos Amaro fundadores da “Associação Homenagem às Carquejeiras do Porto”, assim como, aquando da colocação da estátua “Maria” nas Fontainhas, senti que algo ainda tinha ficado perdido no espaço e no tempo. Foi então rebuscar memórias e constatei inequivocamente ao longo do projecto, quão importantes foram e são, os pequenos grupos e comunidades que povoam a nossa cidade que, com o seu trabalho, abnegação e sacrifício, tão úteis foram e são à sociedade que os ignora, e marginaliza.
Foi o que aconteceu a um punhado de mulheres que nos finais do século XIX até meados do século XX, alguém silenciou…não lhes deu a mão…
Não foi fácil buscar memórias esquecidas e dolorosamente contadas!
Não foi fácil ignorá-las depois de sofridamente escutadas!
Não foi possível arrumá-las numa gaveta ou fechá-las num armário pois fugiam perturbadora e incessantemente pelos entalhes da madeira e pelos buracos das fechaduras…as conversas trocadas com as Carquejeiras ao longo de anos, as memórias, foram o apelo, a minha persistente causa, o grito que não queria amordaçado nem ignorado. É nesta panóplia de sentimentos, difíceis recordações e com esta verdade que o livro chega hoje às vossas mãos.
Arminda Santos
Apresentação do Livro na Biblioteca Municipal Almeida Garrett
Sala multimédia na Biblioteca Almeida Garrett
Documentário realizado pela Jornalista Arminda Deusdado e colaboração de Arminda Santos sobre “AS ESCRAVAS DO PORTO” passado na RTP Canal 2” em 2021.
O documentário pode ser visto no link a baixo:
https://www.rtp.pt/play/p6919/e468482/carquejeiras-as-escravas-do-porto
Fotografias relativas ao dia da colocação da placa informativa junto da Estátua da Carquejeira.
D. Valentina também falava da alegria das noites de S. João!
Recordava a música, as cascatas, os ”copos” que bebiam todos os vizinhos, os bailaricos da sua feliz e longínqua juventude que viveu lá, na calçada que a viu nascer e crescer. Estes momentos Sanjoaninos ajudavam por algum tempo, a anestesiar uma vida muito difícil com os filhos a crescer, a “porrada” e a fome. Sabe-se que as manifestações populares em volta do S. João, se intensificaram na cidade partir de 1869. Tornam-se mais notórias nas Fontainhas a partir de 1904, graças à criatividade, gosto e habilidade de um morador das Fontainhas que, armou e contruiu com êxito, a primeira singela cascata Sanjoanina. Nesse festejo comia-se então, pois sabemos não há festa sem uma boa refeição… cabrito assado com arroz de forno, arroz-doce, aletria e para enganar o cansaço, café bem quente acompanhado com pão e manteiga. A partir desta data 1904, todos os anos até aos nossos dias tornou-se célebre o S. João das Fontinhas.
Jornal Artes entre as Letras
30 de setembro de 2015
Colaboração da Revista VIVA
junho de 2017
Jornal o PÚBLICO
29 de fevereiro 2020
Jornal de Noticias
26 de abril de 2018 e 27 de outubro de 2019
Promovido pelo GAAT (Grupo dos Amigos das Adegas e Tascos do Porto), a 28/11/2019, realizou-se um jantar de homenagem a Maria Arminda Pereira dos Santos, "pela sua exemplar intervenção cívica e cultural ao serviço da comunidade, e pela tenacidade posta na dignificação da figura da Carquejeira e do monumento que lhe será dedicado."
Esteve presente toda a direção composta por Helder Pacheco, Raúl Pinto, Manuel Valdrez, José Oliveira, José Sousa, José Amoroso e Paula Valdrez, assim como outras figuras ligadas à cultura da cidade: o jornalista Germano Silva, Paula Roseira, Alda Pena, Maximina Girão, António Fonseca (presidente da junta de freguesia do centro histórico do Porto), António Fernandes (presidente do Rancho Folclórico do Porto) e Fernando Pinto (presidente do Clube Unesco da cidade do Porto).
O Jantar decorreu de forma animada, com diversas intervenções imbuídas no espirito de cidadania e de respeito pelo trabalho árduo das Carquejeiras do Porto.
A Associação Homenagem às Carquejeiras do Porto participou na "Mostra do Bonfim Associativo" integrada nas Festas da Freguesia (Santo Antoninho da Estrada e São João do Bonfim), apresentando uma banca de venda de vários objectos com o logótipo das carquejeiras (blocos de notas, t’shirts, porta-lenços, marcadores de livros,...), a fim de divulgar este movimento cívico e angariar fundos para que seja erguida uma estátua a estas mulheres. - Maximina Girão
Divulgação do Projecto no Rotary Club - Porto /Douro:
Saudação e boas-vindas por: Eng.º Luís Filipe Oliveira;
Apresentação do projecto por: Arminda Santos;
Intervenção por: Prof. Hélder Pacheco.
A Estátua dedicada às Carquejeiras, foi inaugurada dia 1 de Março, na Alameda das Fontainhas, Porto.
Das inúmeras personalidades presentes, destacam-se: Maria Arminda Santos e Maximina Girão, responsáveis da Associação promotora do evento, Hélder Pacheco, apoiante da primeira hora e quem melhor escreveu sobre a vida das carquejeiras, Dr.ª Maria da Graça do Centro de Estudos Jacobeus, Manuel Pizarro, eurodeputado, António José Fonseca, presidente da União de Freguesias da Zona Histórica do Porto, Manuel Araújo, da Casa do Infante, José Manuel Carvalho, presidente da Junta de Freguesia do Bonfim, entre muitas dezenas de participantes que acorreram à Alameda das Fontainhas...
António Fernandes e o Rancho Folclórico do Porto, como sempre acontece nestes momentos, não faltaram para uns breves apontamentos musicais…
As fotografias aí ficam num registo para a posteridade.
“Esta manhã foi com muita honra que me associei ao descerramento da Estátua de Homenagem às Carquejeiras do Porto, nas Fontainhas, bem perto do cimo da rampa das Carquejeiras (antiga rampa da Corticeira) que essas mulheres - mártires e heroínas - subiam derreadas debaixo de uma carga com peso superior a 50 quilos. Foi uma cerimónia muito bonita e emocionante, à qual se associaram muitos familiares de carquejeiras já falecidas e que contou com uma intervenção brilhante do Professor Hélder Pacheco. O meu agradecimento para todos os que contribuíram para esta causa, em especial para Rui Pedroto, em nome da Fundação Manuel António da Mota e para José Manuel Carvalho, presidente da Junta de Freguesia do Bonfim. Uma palavra especial para a ASSOCIAÇÃO DE HOMENAGEM ÀS CARQUEJEIRAS DO PORTO / UM DRAMA SILENCIOSO E SILENCIADO, corajosamente liderada pela Arminda Santos e pela Maximina Girão. O Porto pagou hoje a sua dívida para com essas mulheres, cujo trabalho árduo e sofrimento insano, a Cidade não deve e não pode esquecer. Nota final: a estátua, da autoria do escultor José Lamas, está linda e merece uma visita. Não falhem.”
Na manhã de ontem a cidade do Porto escreveu uma das mais bonitas páginas da sua história ao perpetuar no bronze a figura da Carquejeira. Foi, finalmente, homenageada a mulher trabalhadora, a mulher esposa e mãe que durante os melhores anos da sua vida foi agrilhoada à imposição dum trabalho desumano, um trabalho de escravos.
Os que na segunda metade do século passado assistiram ao sofrimento imposto pela carga que suportavam sobre os seus frágeis ombros tendo à sua frente um caminho árduo com a calçada íngreme e difícil de vencer, curvadas quase desaparecendo debaixo da carga e que depois lá longe na cidade, depois da entrega, voltavam o mais rápido possível para de novo dar início ao seu Calvário, jamais esquecerão essas mulheres escravas do nosso tempo.
Bem-hajam as mulheres e homens que conseguiram realizar o que outros, por isto ou por aquilo, sempre adiaram um gesto de gratidão a essas mulheres credoras de todas as homenagens.
Ontem o povo do Porto concretizou, como sabe quando é chamado, a sua homenagem reconhecida à mulher carquejeira símbolo maior da mulher trabalhadora.
Este é meu obrigado que lhe envio pelo trabalho que realizou, verdadeira Alma Mater de uma missão que ontem foi reconhecido por todos os presentes.
Partilho aqui a comovente história destas mulheres que viram finalmente reconhecido o papel que tiveram na cidade do Porto. Uma vida feita de sangue, suor e lágrimas. A estátua erguida na Alameda das Fontainhas em sua homenagem, num felicíssimo trabalho do escultor José Lamas, perpetua a memória deste drama silenciado e silencioso vivido por estas mulheres que engrandeceram a alma e o carácter do Porto, cidade do trabalho e do povo. A "Associação Homenagem às Carquejeiras do Porto", responsável por este projeto, é justíssima credora de todos os elogios, pelo trabalho incansável, abnegado e persistente que devotou a esta causa. A Fundação Manuel António da Mota, citada nesta reportagem, prontamente se associou a este projeto desde o seu início, ajudando a materializar esta obra. A cidade do Porto já não será a mesma, mas faltam ainda outras obras que, no espaço público, lembrem aos portuenses e aos muitos que nos visitam, outras profissões do passado.
1ª mostra e festival da Cidadania – Junta da Freguesia do Bonfim
Colaboração da Associação nas festividades de St.º Antoninho da Estrada
Sessão na Junta da Freguesia de Campanhã.
Apresentação do projecto “Homenagem às Carquejeiras do Porto” breve enquadramento crítico, histórico cultural das Carquejeiras do Porto por - Arminda Santos:
Intervenção por: Presidente da Junta da Freguesia de Campanhã Sr. Eduardo Santos;
Intervenção por: Maximina Ribeiro “A contextualização das carquejeiras, no Porto, em finais do séc. XIX e 1.º metade do séc. XX”;
Intervenção por: Prof. Hélder Pacheco;
Participação: Rancho Folclórico do Porto, Sr. Carlos Nelson.
Colaboração da Associação Homenagem às Carquejeiras do Porto, nas festividades de St.º Antoninho da Estrada a convite da Junta de freguesia do Bonfim 2016
A convite do prof. Daniel Afonso da (U.A.T.I.P) Universidade do Autodidacta da Terceira Idade do Porto, a Associação Homenagem às Carquejeiras do Porto, esteve presente numa aula de rua com o objectivo de proporcionar aos alunos dessa Instituição, conhecimentos relacionados com a vida das Carquejeiras. A Presidente da Associação falou sobre o projecto e sua dinâmica baseada na da vida sofrida e cruel das Carquejeiras. Relevando o papel das mesmas no aspecto de sobrevivência das suas famílias, assim como foram também as principais figuras que naquele tempo, asseguravam o pão fresco aos portuenses e como impulsionadoras da Indústria da panificação da cidade.
A aula decorreu no cimo da Calçada das Carquejeiras. O grupo desceu parte dela, visitou a casa da D. Valentina Rosa Machado que desde os oito anos até aos quinze desempenhou a árdua tarefa de transportar às costas a carqueja e viveu no Bairro Olímpia, um dos bairros ainda existentes, que deixou recentemente.
A aula terminou na Associação dos Moradores da Zona das Fontainhas onde está a funcionar uma IPSS que se dedica ao apoio dos jovens proporcionando-lhes ajuda no seu desenvolvimento Pedagógico e Cívico. Esta Associação tinha montada uma interessante Cascata de S. João organizada pelos jovens que foi muito apreciada dado que estávamos perto do das festividades do S. João. - Maximina Girão
Almoço das Carquejeiras na Junta da Freguesia do Bonfim. Evocámos e Homenageámos uma vez mais as Carquejeiras do Porto num almoço que se realizou, no dia 2 de Julho de 2016, no salão Nobre da Junta da Freguesia do Bonfim.
Este visou angariar fundos para que seja possível colocar uma estátua em memória dessas sofridas figuras que, na Calçada das Carquejeiras, desempenharam um difícil e árduo trabalho - acarretar 50 kg. de carqueja, ao longo da íngreme e agreste Calçada... Foi um agradável almoço onde o Arroz de Carqueja teve a primazia.
Após o café, os presentes ouviram poesias sobre as Carquejeiras, proferidas pela Prof.ª Lurdes dos Anjos e pelo poeta popular Carlos Nelson. A Associação Homenagem às Carquejeiras do Porto agradece a todos pelo facto de terem estado presentes, contribuindo dessa forma para que seja possível erguer uma estátua, no cimo da Rampa da Carquejeiras, a essas incansáveis trabalhadoras.
Apresentação do projecto no Instituto Dr. António Ferreira Gomes:
Apresentação do Projecto por: Arminda Santos;
Intervenção por: Dr. Armando Coelho (presidente do Instituto D. António Ferreira Gomes);
Intervenção por: Maximina Ribeiro;
Intervenção por: Prof. Hélder Pacheco;
Intervenção e leitura de um poema de sua autoria sobre as Carquejeiras por: Professora Doutora Maria Fernanda Bahia;
Participação: Rancho Folclórico do Porto e Drª Armanda Camisão.
CARQUEJEIRAS
Cintura curvada
sem nada dizer
na calçada limada
a doer,
o calvário é pesado
subir sem olhar p´ra trás
e descer a correr
ao travado no Douro,
mais rabelo a chegar
em nevoeiro gelado
ao sol matutino
ao calor
ao sol-pôr
à hora que o Planeta ditar,
o suor lhe goteja
na pedra se espalha
embala o passo
de quem traz na ladeira
9o mesmo lamento
em fogo a nascer
como o amor que cresta
e a água que molha
e o céu que consola
os pobres aflitos
por pão
e os ricos?
Os ricos - não!
Refastelo e lazer
em sonhos dobrados
e no mais à vontade:
viva a mocidade
perfeita, bonita
é fenomenal,
muito desigual!...
Em molhos dobrada
a carqueja enredada
em corda apertada
à cabeça
ajudam as mãos
e os braços abertos
e os olhos no chão,
são escravas Isauras
com os dentes cerrados
e fome aos bocados
fartas do carrego
acima e abaixo
acima e abaixo
acima e abaixo...
Poema oferecido pela autora à Associação
Apresentação do projecto “Homenagem às Carquejeiras do Porto”, em Bonjóia, breve enquadramento histórico, cultural e patrimonial no contexto das celebrações do “Ano Luz.” por Arminda Santos. Participação integrada nas “Jornadas do Património 2015, da CMP.”:
Intervenções por: Dr. Mota Cardoso (representante da CMP e Quinta da Bonjóia);
Intervenção por: Maximina Ribeiro “A Contextualização das Carquejeiras, no Porto, em finais do séc. XIX 1º metade do séc. XX”;
Intervenção por - Prof. Hélder Pacheco;
Participação: prof. Lurdes dos Anjos, Rui Costa e Rancho Folclórico do Porto.
A palestra “Associação Antigas Alunas e Professoras do Liceu Escola Rainha Santa Isabel” decorreu no Salão Nobre da Junta da Freguesia do Bonfim - Porto:
A contextualização das CARQUEJEIRAS, no Porto, em finais do séc. XIX e 1 ª metade do séc. XX –por: Maximina Girão Ribeiro (Vice-Presidente da Associação);
Apresentação e finalidades do projecto por: Arminda Santos (Presidente da Associação;
Recriação histórica com Mª Elisa Monteiro;
Leitura de textos poéticos;
Participação: Maria de Lourdes dos Anjos, Cuca Sarmento e elementos do Rancho Folclórico do Porto.
Em tempos bem recuados existiam duas espécies de prisões no Porto: para Clérigos e para os presos comuns. Informa-nos então Fernando Moreira da Silva, como foi a evolução destes tipos de recursos prisionais que, alojaram os delinquentes, ao longo dos anos com curiosas denominações.
"Era prisão destinada unicamente a clérigos delinquentes. O primitivo nome Aljube foi criado pelo Deão da Sé do Porto e futuro Arcebispo de Braga, D. Gonçalo Pereira, avô de D. Nuno Álvares Pereira. Encontrava-se situado junto ao Arco de Vandoma."
"No ano de 1749, por acordo entre o Deão da Sé, Jerónimo de Távora e Noronha, Senhor da casa de Vandoma, junto ao Arco com o mesmo nome, fez-se a troca tendo o Deão cedido as casas que possuia na Rua de S. Sebastião, por permuta com a casa do Aljube, junto ao Arco.
Daí em diante, passou o Aljube para a Rua de S. Sebastião, em frente da Casa da Câmara, no sítio onde a tradição dizia ter sido o Paço da Rainha (D. Teresa). Esta casa foi aljube, ainda hoje de pode ver, estando transformada numa casa de dormidas.
Quando o foro eclesiástico terminou, foi o Aljube transformado em prisão pública.
Finalmente, o Ajube foi transferido para o antigo Convento de Santa Clara, no Largo 1ª de Dezembro, onde se conservou até à sua extinção, nos nossos dias."
"O antigo Convento dos frades Carmelitas (Actual quartel da G.N.R., no Carmo) foi também prisão, onde eram recolhidos os embriegados e os delinquentes, que eram presos em flagrante."
"Neste edifício, actual Governo civil, nos seus baixos do lado sul, esteve instalada a prisão dos Calcetas. Os calcetas eram os condenados que usavam argolas de ferro, presa na perna, e de onde saía um cadeado que era preso à cintura e que servia para ligar uns aos outros."
"A primitiva Cadeia do Porto ficava entre a Rua Chã das Eiras e Santo António do penedo e era chamada Cadeia Velha, por já ter sido reformada no ano de 1490. Antes disso, (ano de 1331), já se falava da Torre ou Castelo do Priorado, que era destinada a prisões, precisamente na Rua Chã das Eiras.
Não se deve esquecer, que para reforçar esta verdade existe na Rua Chã uma travessa, que desde tempos muito remotos se chamou «Viela da Cadeia», mas à qual as entidades responsáveis, muito lamentàvelmente, mudaram de nome para travessa da Rua Chã (!); e que ainda hoje, mais acima, existe a Rua do Cativo, por certo com uma íntima ligação à cadeia...
A primeira Cadeia da Relação foi construida no Porta do Olival, junto à Porta da Muralha, que tinha o mesmo nome, no ano de 1606, mas só acabada em 1630.
Para acudir às enormes desepesas com a sua construção, foi concedido aos condenados a degredo o direito de poderem remir a pena com dinheiro.
No ano de 1752, a Cadeia ruiu. Por iniciativa de João de Almada, foi construida a nova cadeia, cujo edifício ainda se pode ver, felismente, e que se ficou a dever ao risco de Eugénio dos Santos. Demorou mais de 20 anos a sua construção, e o seu custo foi de 200 contos de reis...
Finalmente, na segunda metade do século XX, foi construida a nova cadeia, em Custóias, chamada Estabelecimento Prisional do Porto, e a velha Cadeia da relação, na Cordoaria, foi recuperada e vai ser transformada em Museu, para que os nossos olhos possam continuar a admirar esse monumento que, se dentro se si albergou terríveis dramas, foi também motivo para que o maior trágico da Literatura Portuguesa, aí produzisse a obra que o imortalizou e se tornou no simbolo maior tragédia em Portugal: O AMOR DE PERDIÇÃO! "
Da fábrica da louça e dos azulejos do Carvalhinho também falava D. Valentina. Tinha-a bem na sua memória, assim como o movimento e agitação que ela trouxe à calçada das Corticeira "a grande Fábrica do Carvalhinho"!
Fábrica do Carvalhinho e Calçada - Catótipo atribuído a Frederik Wilhiam Flower, 1860
Esta fixou-se na calçada da Corticeira em 1840, sendo os primeiros proprietários e sócios, Thomaz Nunes da Cunha e António Monteiro Catarino. Estava integrada nos terrenos da Quinta da Fraga, contígua à Capela do Senhor do Carvalhinho, onde se deram os primeiros passos no trabalho do azulejo.
Após anos de laboração, foi alterada "Dissolvida a primeira sociedade, em 1868, a gerência passou para Thomaz Nunes da Cunha." Sabe-se, com certeza, que já nesta época a fábrica produzia louça e azulejos, conforme se lê no cabeçalho de uma factura de 25 de Agosto de 1870. Sob a sigla comercial de Castro Júnior e Dias de Freitas esteve presente na Exposição Cerâmica, organizada em 1882, pela Sociedade de Instrução do Porto onde alcançou um diploma de mérito, na secção de azulejos, sendo elogiada, na revista da própria sociedade organizadora, nestes termos: "Fundada em 1840 por Tomaz Nunes da Cunha e António Monteiro Catarino, era vasta, bem montada, vendendo muito e senso a primeira no Porto, que fabrica azulejos para paredes" Fausto, (2001). De fabrico apurado e rigor técnico, a fábrica do Carvalhinho evolui positivamente, dando grande importância ao cuidadoso e criativo sector artístico que a notabilizou. Contrata artistas de nome, desenhadores e pintores conceituados como Silvestre Silvestri, Carlos Branco, Paulino Gonçalves, mestre Joaquim Lopes (pai) etc.
A produção de azulejos foi inicialmente a sua principal produção. Esteticamente embelezaram as casas da cidade, assim como outros edifícios públicos no século XIX e XX, alguns representativos da Art Nouveau e Art Déco.
Quem não conhece os verdes, os bordeaux, os âmbares e os vermelhos, cores bem puras, bem vidrados, biselados, relevados, semi-relevados dos azulejos da fábrica do Carvalhinho?
Quem não conhece os belos silhares, cercaduras, painéis, lambrins policromados, assim como os brilhos e as durabilidades dessas fantásticas e subtis composições ritmadas, presentes nos peitoris das janelas, nas sacadas, nos espaços decorados das fachadas das casas portuenses?
Foi graças a esta simbiose decorativa ao cénico conjunto do ferro, vidro, madeiras, às pinturas, eximiamente executadas, que a Fábrica do Carvalhinho tão bem soube trabalhar com elevado requinte e bom gosto que, a fábrica do Carvalhinho, se impõem perante outras do seu tempo. Estes recursos estéticos vivem em equilibrada harmonia, valorizada por motivos de feição naturalista, vegetalista, motivos ornitológicos, alegorias e motivos etnográficos. Temos a gratificante visão de um património, a observar, preservar e conhecer!
Quem não é sensível ao contraste harmonioso ou ao diálogo perpétuo entre o granito e os azulejos do Carvalhinho? Os novos conceitos arquitectónicos do século XIX, a sua evolução a nível de materiais que esteticamente mudaram o aspecto visual e decorativo das fachadas das habitações, tornando-as sem dúvida mais confortáveis, mais leves, graciosas ainda hoje prendem a atenção. Proliferam na nossa cidade edifícios que perpectuam a célebre fábrica do Carvalhinho, e seus trabalhadores que fizeram deste aglomerado fabril, um relevante exemplo motor, impulsionador no que concerne à vida industrial da cidade.
Sendo uma instalação fabril de grande relevância no ramo da cerâmica a Fábrica do Carvalhinho teve que ampliar as instalações. Muda-se em 1923 para Vila Nova de Gaia e instala-se na Quinta do Arco do Prado, perto da estação do comboio, com o fito de com mais rapidez escoar os produtos. Finalmente em 1930 associa-se à Real Fábrica de Sacavém, pela mão de A. Pinto Dias de Freitas. Aumenta o capital social, pesando na exportação, vive então um período áureo. Sempre com a preocupação de grande rigor técnico e artístico, volta a contactar novos desenhadores e pintores de grande craveira no ramo tais como: Paulino Gonçalves, Francisco Beirão, Joaquim Lopes, Pedro Figueiredo João Jorge Maltieira, José Miguel, João Duarte, José Oliveira Fernando Gonçalves. É nesta época que se concepcionam e executam, os mais apreciados e notáveis painéis artísticos que enfatizaram a arte azulejar portuense conhecida no país e além-fronteiras. A fábrica do Carvalhinho, encerra a sua prestigiada actividade nos anos setenta. Perdeu-se uma importante referência da arte portuense- a arte de pintar azulejos-. Perdeu-se um exemplo no mundo do trabalho e por consequência da economia, pois esta fábrica sempre pugnou pela actualização e inovação nos processos de trabalhar a nobre arte do azulejo.
Breve síntese do Património Azulejar de fácil observação na cidade executado na Fábrica do Carvalhinho (Art Déco e Art Noveau):
Rua Costa Cabral - Padaria Palmeira n.o 757 casa comercial;
Rua Costa Cabral - Pérgola da Guiné n.o 231 casa comercial;
Rua Costa Cabral - n.o 874 habitação;
Rua de Camões n o 398 habitação;
Largo dos Loios Araújo e Sobrinho habitação / Hotel;
Pérgola do Bolhão n.o 279 casa comercial;
Bazar dos Três Vintens n.o 92 casa comercial;
Largo Alberto Pimentel n.o 25,32, 36 habitação;
Rua Sousa Rosa n.o 200 habitação;
Passeio Alegre – Lavavos equipamento Comunitário;
Restaurante Ribeiro Praça dos Poveiros n.o 2 restauração;
Restaurante Escondidinho rua Passos Manuel n.o 144 restauração;
Rua D. João IV n.o 597 habitação:
Rua Santa Catarina
Rua do Clube Fluvial Portuense n.o 1- 11 equipamento comunitário;
Rua Duque de Saldanha n.o 196, 202
Rua S. Roque da Lameira n.o 1277 habitação;
Rua Sousa Soares n.o 60,70 + habitação;
Rua José Falcão n.o 33 habitação;
Rua de Diu n.o 83 Foz habitação;
Rua do Campo Lindo n.o 234 habitação;
Avenida dos Combatentes n.o 74 habitação Antas;
Avenida Camilo n.o 225 habitação Bonfim.
Painel Situado na quinta Ramos Pinto, Porto
Painel Situado na Rua de Cedofeita "Antigo Bazar dos Três Vinténs", Porto
Os azulejos produzidos na Fábrica do Carvalhinho foram então o ganha-pão de muita gente que residia na calçada da Corticeira e não só. A presença deste edifício era notória na paisagem pelas dimensões que tinha, hoje tudo é ruína... mais um desconcertante desrespeito pelo Património, neste caso, pela Arqueologia Industrial que, pouco, ou muito poucos edifícios se conservaram na nossa cidade.
É aviltante ver a história da Arqueologia Industrial, reservada a ruínas e a exíguos exemplares preservados dispostos num "velho burgo" que se apelida de "Cidade do trabalho"!
O Porto industrial, também foi esquecido!
Foi esquecido este importante reduto patrimonial que ninguém quis guardar. Homens e mulheres formigavam em volta das fábricas que lhes garantiam um salário. Foram essas figuras que tanto contribuíram para o crescimento da economia do nosso país que também desapareceram. A Indústria Portuense impulsionou a nível sócio-económico novos caminhos e lucros. Trouxe á Arquitectura novos desafios nomeadamente no que concerne à concepção espacial adequando a tarefa a desempenhar ao espaço a ocupar. Foi relevante a forma como marcou, estruturou e estudou novas ideias arquitectónicas e espaciais, ou seja, a forma/função ligadas: á maquinaria, aos sítios onde ficariam instaladas, assim como às preocupações em gerir adequadamente, os circuitos funcionais de pessoas e mercadorias necessários, para facilitar a circulação, laboração e armazenamento dos produtos. Deste rico património tudo se perdeu! O jogo da alvenaria, a harmoniosa aplicação do vidro e ferro, que muitas fábricas possuíam tão bem se conjugavam... nem há histórias para contar! É a história da Arquitectura Portuense, do trabalho, dos personagens que nas fábricas laboraram durante o século XIX e XX, tudo se volatilizou! Séculos, impulsionadores do progresso industrial da nossa cidade foram ignorados, tudo se deixou arruinar...
Ruinas da Fábrica do Carvalhinho - Catótipo atribuído a Frederik Wilhiam Flower
Mais explicava D. Valentina, nas nossas longas, saudosas e gratificantes conversas sobre tudo que a rodeava, vivera e preocupava.
Contava entusiasmada, as memórias que guardava sobre a "A fábrica do Carvalhinho, tinha uma entrada superior, no lado direito da calçada quem sobe", e recordava também, "de ver homens, com cestos de barro que acarretavam ás costas, aqui sempre se carregou alguma coisa às costas!" E explicava, "o barro era descarregado e amanhado em azulejos que iam, para os fornos da fábrica que ficavam junto ao rio, nas Fontainhas. Havia muitas escadas para se chegar aos fornos, muitos trabalhadores, mais homens que mulheres, algumas tinham andado na carqueja." Os camiões de barro entravam pela porta da marginal."a gente via e ouvia muito movimento e ruídos, hoje está tudo calmo, quase se pode ouvir quem passa na calçada.
Com o 25 de Abril tudo acabou, desapareceu... assim se vivia"...
A carqueja é na realidade um versátil arbusto.
Para além das suas qualidades calóricas de que já falei no livro, ocupa também um importante lugar na gastronomia antiga. Com ela confeciona-se o saboroso arroz de carqueja, frequente na cozinha das nossas saudosas avós. Como recurso terapêutico o antigo chá de carqueja curava ou minimiza várias maleitas. Actualmente é utilizado graças aos minerais e vitaminas que o compõe combate ao stresse… No entanto a carqueja toma um lugar privilegiado na feitura do fio da seda! Ela é responsável por uma das mais nobres artes: a de tecer a seda!
Esta arte milenar tem na China uma sólida implantação ao longo dos séculos, mas em Portugal não é alheia. Tecer a seda faz parte de um longo rol de “Artes Tradicionais,” que se foram perdendo no nosso país. Em Trás-os-Montes, nomeadamente em Freixo de Espada à Cinta, persiste um valioso e belo resquício desta arte - o interessante e acolhedor Museu da Seda -, onde três artesãs se dedicam primorosamente á preciosa e antanha arte de tecer a seda manualmente. A carqueja é então responsável pelo primeiro fio ou filamento da mesma! Este fio é libertado, a partir do casulo após fricção de uma pequena “vassourinha”, feita de carqueja que o vai libertando. Mais tarde o delicado fio é fiado/dobado e acondicionado em frágeis e leves novelos. Assim nasce o delicado fio tão apreciado hoje e outrora. Este era aplicado nos alvos bragais e vestidos de determinadas classes sociais. O fio da seda é ainda hoje aplicado no linho compondo coloridos e interessantes composições, com graciosas formas e harmoniosos ritmos como é o caso dos conhecidos bordados de Castelo Branco.
Primeiras fases da evolução do fio da seda:
O “Real Filatório” e a cultura de sericicultura em Portugal.
Mas não foi só o processo artesanal que trouxe um relevante posicionamento de Portugal na produção da seda. A arte de trabalhar a seda remonta ao Século XIV. Sabe-se que é entre os séculos XVIII e XIX, que se intensifica a indústria de sericicultura na Europa, sendo a Itália o país mais conhecido pela qualidade do tecido produzido na época. A suave seda, os belos brocados, panos, lenços bordados e laçarotes, enriqueciam os vistosos e insinuantes vestidos das damas e o vestuário dos cavalheiros das cortes dos reinos de então. O vestuário de seda era confortável e macio, fazia parte da indumentária de uma determinada classe social. A corte portuguesa não deixou de usufruir deste confortável e cómodo tecido.
Foi em Trás-os-Montes, na singela Vila da Chacim, que em 1788 a cultura do bicho-da-seda e a indústria da produção da mesma faz com que a Rainha D. Maria I decrete a criação do célebre “Filatório Régio”, ou seja, estabelece a fundação de uma fábrica para tecer e fiar a seda. Outros nomes estão ao longo dos anos presentes nesta interessante história da arte de tecer a seda por processo industrial. Com o fervilhar da Revolução Industrial começam a surgir novas técnicas e tecnologias industriais que vêm superar e substituir o trabalho manual. Referem documentos que estas novidades chegam a Portugal pela mão de D. Rodrigo Sousa Coutinho, conde de Linhares, que traz para o nosso país um falido industrial de origem italiana, experiente no ramo da tecelagem. Este industrial de nome Guisepe Arnaud, encontra em Portugal boas condições para colocar em prática os seus conhecimentos sobre a técnica de tecer a seda por método industrial, através do “método piemontês” (moinho redondo). Após a vinda desta figura gerou-se uma época áurea e inovadora na produção da seda. O edifício onde se instala possui proporções ideais, o clima propício para a criação do bicho-da-seda, a ribeira junto da fábrica a “Carta Régia”, são motivos essenciais que favorecem os processos mecânicos da elaboração da tecelagem. Mas não só, o número dos trabalhadores que consegue reunir, as qualidades e empenho dos mesmos, assim como o número de teares que consegue instalar foram sem dúvida o garante de um sucesso e de uma produção rentável. Esta unidade fabril tornou-se sem dúvida uma mais-valia, um alento e uma melhoria de vida para as populações que naquele tempo viviam somente da agricultura…
Malogradamente como tudo na vida, o trabalho de tecer e fiar a seda teve épocas de grande produção e de declínio. Este é então referido já em meados do século XIX, a instabilidade, os surgimentos de várias vicissitudes ocasionam que 1866, o imponente edifício do “Real Filatório” seja vendido em asta pública começando assim o seu atroz declínio … A ”Real Companhia de Fiação e torcidos de seda”, o ”Real filatório” jazem em ruínas mas ainda têm algo para contar.
A carquejeira, figura popular no Porto e na margem direita do Douro, fotografada por Bernardino Pires (1901-1977). É uma das imagens reveladas no álbum "A Cidade do Porto na Obra do Fotógrafo Bernardino Pires", lançado em Abril pela editora In-Libris.
"O Porto na obra de Bernardino Pires"
A cidade do Porto foi o palco que Bernardino Pires escolheu para o desenvolvimento do seu trabalho.
Pela primeira vez se trouxe a público o retrato da cidade portuense pelo olhar de um fotógrafo cujo acervo é quase inédito e que ainda está a ser estudado. Para a sua compreensão, a mostra foi acompanhada por um programa que incluiu um ciclo de conversas que culminou no lançamento de um livro sobre o fotógrafo e a sua obra.
Esteve patente de 26 de março a 30 de abril
Carquejeira
Desenho da Carquejeira, 1957
A autora do livro "As Carquejeiras do Porto - Um Projecto um Sentido" agradece ao MIRA FORUM a colaboração informativa.